Aliados
chantageiam Dilma escancaradamente
O que
assusta na marcha resoluta de Dilma Rousseff rumo ao arcaico é sua crueza
explícita. Se a sessão mais recente do Congresso serviu para alguma coisa foi
para informar à presidente reeleita que ela não deve esperar nenhuma
colaboração altruísta dos seus aliados. Ficou entendido que, no segundo
mandato, os sócios do empreendimento governista enquadrarão a presidente da
República em três leis: a lei da oferta e da procura, a lei do mais forte e a
lei da selva.
O fato de
os partidos aproveitarem a hora para exigir definições sobre o rateio dos
ministérios e otras cositas não deveria surpreender o Planalto. O pessoal está
apenas exigindo a consideração que Dilma não demonstrou no primeiro mandato,
quando ainda se achava uma gerente extraordinária. A presidente encomendou uma
meia-sola para disfarçar o rombo nas contas de 2014. Os aliados querem ajudar.
Mas exigem recompensa compatível com o valor do conserto —são regras do mercado
persa.
Renan
Calheiros reuniu-se com Dilma na terça-feira. Acertou o envio do senador Vital
do Rêgo, PhD em gestão de CPIs, para uma sinecura no TCU. E prometeu apressar a
aprovação do jeitinho fiscal. Renan ligou o trator. Numa única noite, arou os
38 vetos presidenciais que obstruíam a passagem da manobra que transformará
deficit em superavit. Programou o grand finale para o dia seguinte, na hora do
almoço. Foi mastigado pela oposição e engolido pelo seu PMDB.
Chamado de
“vergonha do Congresso” por Mendonça Filho, líder do DEM, Renan tentou fingir
que havia quórum para manter o funcionamento da sessão. Para entregar a
mercadoria a Dilma, precisava dos votos de 257 deputados e 41 senadores. Mas
passaram pelo plenário apenas 222 dos 513 deputados e 32 dos 81 senadores. Em
plena quarta-feira, dia de Casa cheia, não se chega a uma falta de quórum como
essa na base do improviso.
A bancada
do PMDB na Câmara soma 71 deputados. Passaram pela sessão 28. Ausente, o líder
Eduardo Cunha atribuiu o fenômeno à hora do almoço. Ele mesmo estava num
repasto com a turma do PSC, que irá apoiá-lo na briga pela presidência da
Câmara. No Senado, o PMDB controla 19 cadeiras. Apenas oito estavam ocupadas.
Foi como se os peemedebistas gritassem para Dilma que Renan representa os
interesses dele, não as reivindicações das bancadas.
Além do
PMDB, estavam sub-representados na sessão do Congresso outras legendas cujo
governismo anda meio cansado, dependendo de uma vitamina para revigorar-se. O
PP, por exemplo, desfilou no plenário apenas 23 cabeças. O PR, 17. E o PSD, 26.
Reduzido à rara condição de general sem tropa, Renan reconheceu a ausência de
infantaria, enfiou a empáfia no saco, encerrou os trabalhos e convocou nova batalha para terça-feira, já
em pleno mês de dezembro, a 20 dias do recesso parlamentar.
Na semana
passada, Dilma adiara o anúncio de sua nova equipe econômica porque lhe
disseram que seria possível apresentá-los ao mercado já com a página do buraco
nas contas virada pelo Congresso. Deu chabu. Nesta quinta, Joaquim Levy (Fazenda)
e Nelson Barbosa (Planejamento) virão à boca do palco tendo como pano de fundo
a nódoa da meta descumprida do superavit. Por um instante, serão coadjuvantes
de um enredo que tem a chantagem como protagonista.
Tramada e
executada com esmero, a ausência de governistas na sessão do Congresso foi uma
mensagem do lado mais forte para o mais fraco. E no Brasil de Brasília, os
partidos governistas chegaram à conclusão de que o lado politicamente mais
fraco é a presidente da República que acaba de ser reeleita. Chantageada assim,
à luz do dia, Dilma terá de decidir rapidamente que tipo de papel deseja
desempenhar nos próximos quatro anos: presidente ou refém?
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