Projeto de
poder banaliza corrupção
Editorial
de O Globo, em 25/11/2014
À luz do
mensalão e, agora, do petrolão, pode-se dizer, dentro de uma perspectiva
histórica, que não é por mera coincidência que, em doze anos de lulopetismo no
Planalto, construiu-se o mais articulado e amplo esquema de corrupção na
máquina pública de que se tem notícia, a fim de drenar dinheiro de estatais
para financiar um projeto de poder.
Não é por
acaso que em 2004, enquanto o mensalão, cujo embrião está na campanha eleitoral
de 2002, já funcionava a contento, o "amigo Paulinho" — como o
presidente Lula tratava Paulo Roberto da Costa —, funcionário da Petrobras, era
nomeado diretor de Abastecimento da estatal, indicado pelo PP do deputado José
Janene (PP-PR), este também um mensaleiro. O nome saído do bolso do colete do
aliado Janene foi bem aceito pelo lulopetismo. Falecido, Janene não pode
colaborar com as investigações do petrolão, do qual o seu apadrinhado foi
peça-chave, pelo que já se sabe de depoimentos do próprio ex-diretor da
Petrobras prestados sob acordo de delação premiada. Não se discute se houve um
assalto bem organizado aos cofres da Petrobras patrocinado por diretores — algo
tão extraordinário que acionou os mecanismos americanos de vigilância do
mercado de títulos do país, usado pela Petrobras como fonte de capitalização,
para também investigar o escândalo e buscar responsáveis. Não se discute porque
o próprio “amigo Paulinho” se declara culpado e, para reduzir penas,
compromete-se a ajudar na elucidação do caso.
Lulopetistas
costumam defender o partido, desde a descoberta do mensalão, em 2005, com a
surrada justificativa de que "todos fazem". É a escapatória da
banalização do crime, para tentar reduzir sua gravidade. A própria candidata
Dilma Rousseff escorregou na campanha da reeleição ao dizer que há corruptos em
todos os lugares. Fez lembrar o presidente Lula, na histórica entrevista em
Paris, depois que o então aliado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o
mensalão, quando afirmou que o PT fez o que todo partido fazia.
O mensalão
foi desbaratado, informações colhidas por CPI, pela PF e Ministério Público
instruíram um processo julgado de forma exemplar pelo Supremo, de que resultou
a prisão de petistas estrelados: o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do
PT José Genoíno e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Além de aliados e
cúmplices.
Pois agora,
no petrolão, Mario Oliveira Filho, advogado de Fernando Soares, o “Fernando
Baiano”, acusado de operar — verbo usado em sentido malicioso no submundo da
política —na Petrobras, em nome do PMDB, segue na trilha da banalização e diz
que não se consegue obra pública sem propinas. Tenta-se jogar areia nos olhos
da opinião pública. Não há uma corrupção aceitável e outra reprovável. Há o
crime de malversação do dinheiro público a ser investigado e punido. Os casos
do mensalão e petrolão — delinquências de mesma célula-tronco — mostram um
padrão de drenagem do dinheiro do contribuinte. São malhas tecidas entre
partidos e políticos, estatais, empreiteiras, empresas públicas, sindicalistas
e, conforme mostrou o GLOBO no fim de semana, fundos de pensão de empresas
públicas, tudo numa dimensão jamais vista no submundo da política brasileira,
tendo como objetivo estratégico um projeto de perpetuação no poder. É claro,
com os inexoráveis desvios feitos para enriquecimento particular. Afinal, a
carne é fraca.
O mensalão
mostrou apenas a ponta de uma máquina avantajada de corrupção que agora fica
mais visível à medida que avança a investigação sobre o esquema na Petrobras,
com suas diversas conexões, como a dos fundos de pensão Não se trata de um
crime sem implicações. O próprio estado de direito democrático ficou ameaçado,
pois o plano visa a comprar apoio no Legislativo e se perpetuar no Executivo
pelo voto capturado por políticas populistas. Mas não se contava com o vigor de
instituições republicanos brasileiras.
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