FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - O ESTADO DE S.PAULO
02 Novembro 2014
Numa democracia não cabe às oposições, como ao povo em
geral, senão aceitar o resultado das urnas. Mas nem por isso devemos calar
sobre o como se conseguiu vencer, nem sobre o por que se perdeu. Os resultados
eleitorais mostram que a aprovação ao atual governo apenas roçou um pouco acima
da metade dos votos. Ainda que a vitória se desse por 80% ou 90% deles, embora
o respeito à decisão devesse ser idêntico ao que se tem hoje com a escassa
maioria obtida pelo lulopetismo, nem por isso os críticos deveriam calar-se.
É bom retomar logo a ofensiva na agenda e nos debates
políticos. Para começar, não se pode aceitar passivamente que a
"desconstrução" do adversário, a propaganda negativa à custa de
calúnias e deturpações de fatos, seja instrumento da luta democrática. Foi o
que aconteceu, primeiro, com Marina Silva e, em seguida, com Aécio Neves.
O vale-tudo na política não é compatível com a
legitimidade democrática do voto. Marina, de lutadora popular e mulher de visão
e princípios, foi transformada em porta-bandeira do capital financeiro, o que
não é somente falso, mas inescrupuloso. Aécio, que milita há 30 anos na
política, governou Minas Gerais duas vezes com excelente aprovação popular,
presidiu a Câmara dos Deputados e é senador, foi reduzido a playboy, farrista
contumaz e "candidato dos ricos".
Até eu, que nem candidato era, fui sistematicamente
atacado pelo PT, como se tivesse "quebrado" o Brasil três vezes
(quando, como ministro da Fazenda, ajudei o País a sair da moratória), como se
tivesse deixado a Presidência da República com a economia corroída pela
inflação (como se não fôssemos eu e minha equipe os autores do Plano Real, que
a reduziu de 900% ao ano para um dígito), como se os 12% de inflação em 2002
fossem responsabilidade de meu governo (quando se deveram ao temor de eventuais
desmandos de Lula e do PT).
Não me refiro à língua solta de Lula, que diz o que
quer quando lhe convém, mas ao fato de a própria presidenta e sua campanha
terem endossado que o PSDB arruinou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica,
quando os repôs em sadias condições de funcionamento. E assim por diante, num
rosário de mentiras e distorções, insinuando terem sido postos em baixo do
tapete vários "escândalos", como o "da pasta rosa", ou o
"do Sivam", ou "da compra de votos" da emenda da reeleição,
etc., factoides construídos com matéria falsa, levantada pelo PT, submetida a
comissões parlamentares de inquérito (CPIs), investigações várias e julgamentos
que deram em nada por falta de veracidade nas acusações.
Mas isso não é o mais grave. Mais grave ainda é ver a
reeleita colocando-se como campeã da moralidade pública. Entretanto, não
respondeu à pergunta de Aécio Neves sobre se era ou não solidária com seus
companheiros que estão presos na Papuda. Calou ainda diante da afirmação feita
no processo sobre o petrolão de que o tesoureiro do PT, senhor Vaccari, era
quem recolhia propinas para seu partido. Havendo suspeitas, vá lá que não se
condene antes do julgamento, mas até prova em contrário deve-se afastar o
indiciado, como fez Itamar Franco com um ministro e eu fiz com auxiliares,
inocentados depois, no caso Sivam. Então, por que manter o tesoureiro do PT no
Conselho de Itaipu?
Pior. A propaganda incentivada pela liderança maior do
PT inventou uma batalha dos "pobres contra os ricos". Eu não sabia
que metade do eleitorado brasileiro, que votou em Aécio, é composta por
ricos... É difícil acreditar na boa-fé do argumento quando se sabe que 70% dos
eleitores do candidato do PSDB, segundo o Datafolha, se compunham de pessoas
que ganham até três salários mínimos. A propaganda falaciosa, no caso, não está
defendendo uma classe da exploração de outra, mas enganando uma parte do
eleitorado em benefício dos seus autores. Isso não é política de esquerda nem
de direita, é má-fé política para a manutenção do poder a qualquer custo. Igual
embuste foi a insinuação de que a oposição é "contra os nordestinos",
como se não houvesse nordestinos líderes do PSDB, assim como eleitores do
partido no Nordeste.
Também houve erros da oposição. Quem está na oposição
precisa bradar suas razões e persistir na convicção, apontar os defeitos do
adversário até que o eleitorado aceite sua visão. Para isso precisa organizar-se
melhor e enraizar-se nos movimentos da sociedade. Felizmente, desta vez Aécio
Neves foi firme na defesa de seus pontos de vista e, sem perder a compostura,
retrucou os adversários à altura, firmando-se como um verdadeiro líder.
Diante do apelo ao diálogo da candidata eleita devemos
responder com desconfiança: primeiro mostre que não será leniente com a
corrupção. Deixe que os mais poderosos e próximos (ministros, aliados ou
grandes líderes) respondam pelas acusações. Que se os julgue, antes de
condenar, mas que não se obstruam os procedimentos investigatórios e legais
(Lula tentou postergar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o mensalão o
quanto pôde). Que primeiro a reeleita se comprometa com o tipo de reforma
política que deseja e esclareça melhor o sentido da "consulta
popular" a que se refere (plebiscito ou referendo?). Que se debata, sim,
na sociedade civil e no Congresso Nacional, mas que se explicite o que ela
entende por reforma política. Do mesmo modo, que tome as medidas econômicas
para vermos em que rumo irá o seu governo.
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