Amanhã (30/6),
último dia estabelecido pela legislação eleitoral para a realização de
convenções partidárias destinadas a definir candidatos e deliberar sobre
coligações para o pleito de 5 de outubro, estará se encerrando a mais
despudorada temporada de compra e venda de minutos e segundos da propaganda
eleitoral gratuita, que estará no ar a partir de 19 de agosto, jamais
registrada neste país.
E à afronta à Nação representada por esse vergonhoso
espetáculo soma-se o cinismo de quem tem a responsabilidade maior de zelar pela
seriedade na vida pública: "A política que aprendi a praticar ao longo da
minha vida desde a minha juventude, que me levou inclusive à prisão, implica em
construir relações que sejam baseadas não em conveniências, mas em convicções".
Dilma Rousseff
permitiu-se esse cínico rompante ao discursar na convenção nacional do PSD que
na quarta-feira selou o apoio à sua reeleição. Não explicou a quais
"convicções" se referia, mas recomendou a todos que não aceitassem
"provocações que buscam baixar o nível do debate, que buscam acirrar o
antagonismo". E não deixou de se gabar das "transformações rápidas e
profundas" realizadas por seu governo, garantia, no futuro, de "um
ciclo ainda mais rápido e duradouro de mudanças".
Esqueceu-se,
apenas, de que a divisão da Nação entre "eles" e "nós" e as
campanhas de difamação dos adversários fazem parte da obra política do
lulopetismo. Esqueceu-se, ainda, de que seu governo é um continuado desastre
econômico-financeiro, ditado por atrasada ideologia.
Poucas
horas antes, Dilma havia promovido uma transformação rápida e profunda em seu
governo ao trocar o titular do Ministério dos Transportes, feudo do PR, por
imposição de um aliado importante, o chefão de fato daquele partido, o
mensaleiro Valdemar Costa Neto, que enviara seu ultimato diretamente do
presídio da Papuda. O ministro defenestrado, César Borges, também é do PR, mas
o sentenciado Costa Neto decidiu trocá-lo por entender que ele "não
ajudava" o PR. É assim que Dilma governa.
Tanta
"convicção" que marcou esses recentes movimentos da campanha
eleitoral é o resultado de reunião de que Dilma participou na noite de
terça-feira sob o comando de seu criador, com a indispensável presença do
marqueteiro oficial do PT. Ouviu e cumpriu a ordem de Lula de que não é hora de
contrariar aliados.
Convém
repetir o que tem sido reiteradamente afirmado neste espaço: Lula e os petistas
não inventaram o fisiologismo político, o toma lá dá cá na composição da base
de apoio parlamentar ao governo, o aparelhamento partidário que compromete a
eficiência da máquina governamental e tantas outras mazelas que corrompem a
vida pública no Brasil. Na verdade, por mais de 20 anos Lula e o PT rangeram os
dentes contra esses vícios, prometeram mudar "tudo isso que está aí".
Em 2003 chegaram finalmente ao poder e concluíram - aliás, muito rapidamente,
como prova o mensalão - que "é impossível" governar sem o apoio dos
"picaretas" que, como Lula denunciara dez anos antes, infestam o
Congresso. Deu no que deu.
Esse
raciocínio da "impossibilidade" só faz sentido quando o pragmatismo
se torna um valor fundamental. Os petistas que hoje argumentam que os fins
justificam os meios - e por isso podem cultivar a incoerência e o desmando -
não consideram que o fim da política é o bem comum. Seu objetivo é a manutenção
do poder - e a qualquer custo, material ou moral. Mas isso tem consequências.
Em
decorrência do aprimoramento das ancestrais práticas de fisiologismo político a
que o PT se vem diligentemente dedicando, a falta de pudor e de coerência, a
mistificação, o populismo mais rasteiro, o apego às "boquinhas",
tudo, enfim, que há de mais condenável na vida pública ameaça hoje gangrenar
irremediavelmente o tecido político do País, tornando o ato fundamental da
cidadania, o de votar, cada vez mais um penoso exercício de escolha do menos
pior.
Não se pode
esperar que Lula & Cia., inebriados com as delícias do poder, reneguem seu
ethos. Mas a presidente de todos os brasileiros - que diz ter
"convicções" - poderia pelo menos nos poupar do cínico espetáculo que
acabamos de presenciar.
O ESTADO DE S.PAULO - 29 Junho 2014
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