Quase
nenhuma bandeira nas janelas. Poucas ruas enfeitadas. Raras camisetas amarelas.
O que os olhos não veem tampouco os pesquisadores sentem. Pois é uma verdade
estatística: a maior parte dos brasileiros está fria em relação à Copa. Ao
Ibope, 39% dos moradores do país do futebol responderam que se fosse possível
medir em graus seu envolvimento com o Mundial, a temperatura estaria entre
"fria", "muito fria' e "gelada".
Só 30%
disseram que seu termômetro está "quente", "muito quente"
ou "fervendo". O resto está "morno". Ou estava até outro
dia. A pesquisa - inédita até agora - foi concluída em 19 de maio. O que
explica essa frente fria futebolística?
Talvez
esteja acontecendo o que os pesquisadores chamam de "espiral do
silêncio". Virou politicamente incorreto torcer pela Copa, pelo Brasil. Aí
poucos vestem a camisa, ninguém se manifesta, com medo do patrulhamento. Há
eleitores que são assim, só revelam seu candidato ao anonimato da urna
eletrônica. Será que a Copa virou uma espécie de Maluf?
Como diz a
CEO do Ibope, Marcia Cavallari, talvez ao primeiro grito de gol do Brasil tudo
mude. E a torcida reprimida exploda de uma vez só. Ou até antes, na forma de um
golaço tecnológico, quando o mundo vislumbrar um paraplégico andar e dar o
chute inicial da Copa no Itaquerão - graças a um exoesqueleto de 70 kg acoplado
ao próprio cérebro, projetado e construído pelo cientista brasileiro Miguel
Nicolelis.
Mas antes
de esquentar, o Brasil esfriou. À medida que a Copa foi se aproximando, o
envolvimento foi diminuindo em vez de aumentar. Em 2011, o Ibope perguntou a
mesma coisa aos brasileiros. O termômetro estava bem mais aquecido do que
agora: 37% se diziam entre o "quente" e o "fervendo",
contra apenas 24% de frios e gelados. Estes eram a exceção.
Hoje são a
regra. Em quase todos os segmentos sociais, a frieza prepondera. Está acima da
média entre as mulheres (44%), entre quem tem mais de 35 anos (42%), entre quem
fez faculdade (40%), no Sudeste (44%) e no Sul (43%).
Nenhuma
característica demográfica é mais determinante, porém, para a temperatura do
torcedor em relação à Copa do que sua intenção de voto. Quem está frio vota na
oposição, quem está quente, no governo. Outra prova de que o Fla x Flu
político-partidário divide o país do futebol em relação à Copa.
Dos que
declaram voto em Dilma Rousseff (PT), 42% dizem que seu envolvimento com a Copa
está quente, muito quente ou fervendo. Só 23% deles estão frios, muito frios ou
gelados.
Já entre os
eleitores de Aécio Neves (PSDB), a divisão é inversa: 27% a 42%. Entre os de
Eduardo Campos (PSB), mais ainda: só 25% de quentes, contra 46% de frios. A
frieza aumenta entre os eleitores dos nanicos (61%), entre quem declara voto
branco/nulo (62%), e chega a incríveis 69% entre os poucos que pretendem votar
no pastor Everaldo (PSC). É, a Copa virou uma coisa dos diabos. Mas não faz
muito tempo.
Apenas três
meses atrás, a proporção de sentimentos negativos e positivos em relação ao
Mundial de futebol estava praticamente empatada na população. Em fevereiro, 53%
se referiam à Copa como "desperdício", "preocupação",
"decepção", "vergonha", "medo" e
"ansiedade". E 47% usavam palavras como "alegria",
"orgulho", "esperança", "otimismo" e
"brasilidade".
Hoje, os
sentimentos negativos são maioria: 60%. Mas é cedo para dizer como a torcida
vai se sentir após a bola rolar.
Será que 20
black blocs serão capazes de estragar a festa de milhões? Afinal, 51% apoiam a
Copa no Brasil. E, apesar da frieza, há mais brasileiros prevendo o sucesso
(36%) do que o fracasso (31%) da competição. A grande maioria (71%) torce para
que tudo corra bem. Se der zebra, a culpa é dos outros: 22% acham que as
pessoas estão torcendo para que dê tudo errado, mas só metade deles admite que
está mesmo. Vai que dá certo, né...
José Roberto de Toledo - O Estadão - 2/6/2014
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