Dando
bom-dia a cavalo
A crônica
política brasileira é pródiga em episódios com os quais Luiz Inácio Lula da
Silva ilustra o aforismo segundo o qual quem fala muito acaba dando bom-dia a
cavalo. Em longa entrevista concedida a uma revista semanal, o ex-presidente
exercita sua megalomania, insiste em conhecidas mistificações sobre os governos
petistas e o papel de seu partido na vida política brasileira, repete ataques à
imprensa e sofismas sobre o "controle social da mídia", não se
constrange em praticar o jogo do "faça o que eu digo, não o que eu
faço".
Aflora em
toda a extensão da entrevista a obsessão pelo confronto maniqueísta com uma
"elite" retrógrada, inominada, a qual acusa de conspirar contra todas
as fabulosas conquistas dos governos petistas. É o velho "nós" contra
"eles".
É
interessante a visão de Lula dos problemas de comunicação de que, entende,
padece o governo Dilma. Problemas esses veladamente atribuídos em parte à
incompetência do próprio governo, mas agravados pelo comportamento de uma mídia
que tem mal-intencionada "predisposição ao negativismo".
Lula
cultiva, como se sabe, uma espetacular imagem de si próprio e do modo petista
de governar. Mas não se conforma com o fato de essa visão não ser compartilhada
pela mídia. Mas tem remédio para isso. Não adianta reclamar que "(...) 'a
Globo não me dá espaço'. A gente tem outros instrumentos para dizer o que
quer". Como assim? "Tenho dito com a Dilma que não tem de dar ouvidos
a quem fala que gastamos muito com publicidade. Eu acho que, se foi anunciado
um programa hoje e no segundo dia não houve repercussão, vai em rede nacional.
O governo tem de dizer que a mídia não divulgou, porque se não disser, o
silêncio se fecha sobre o fato. Dois dias de tolerância e coloca um ministro em
rede nacional, não precisa ir a presidenta todo dia".
Se
dependesse de Lula, portanto, entre outras providências
"democratizantes", dia sim e outro também as redes de televisão, que
são o que interessa, abririam espaço para autoridades do governo revelarem
todas aquelas realizações importantíssimas para as quais os jornalistas não dão
a menor bola. O que significa que, pelo menos enquanto o lulopetismo não
conseguir impor seu ambicionado "controle social da mídia", haja verba
para publicidade oficial.
São
inegáveis, principalmente no campo social, importantes conquistas de 2003 para
cá. Mas Lula não deixa por menos do que o delírio absoluto: "Tudo que você
imaginar, o Brasil está entre os cinco (melhores/maiores, supõe-se) do
mundo". Isso apesar de que "lá fora já não se fala bem da
gente". Na vida real, nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
segundo a ONU, é o 84.º no ranking mundial. Em educação, ficamos também no fim
da fila.
No capítulo
de sua inestimável contribuição para melhorar o mundo, Lula recorreu a um
péssimo exemplo: "O Mercosul, quando cheguei à Presidência, não valia
nada". Hoje, dominado pelos bolivarianos, vale menos ainda, enquanto a
Aliança do Pacífico caminha a passos largos para se tornar o maior polo de
atração de investimentos da América Latina.
Lula tem
uma receita de "faça o que eu digo..." para avançar no
desenvolvimento econômico: "O que o governo tem de garantir é o aumento da
poupança interna (não explicou como conciliar isso com o forte estímulo ao
consumo), mais investimento do Estado (preferiu ignorar a clamorosa ineficácia
na execução dos PACs), mais junção entre empresa privada e pública
(desconsiderou o arraigado preconceito petista contra a iniciativa particular),
mais capital externo para investir no setor produtivo" (omitiu as dificuldades
criadas pelo Mercosul a acordos comerciais bilaterais, sem falar na crescente
desconfiança dos investidores internacionais sobre as regras do jogo por aqui).
Lula fala
ainda, como não poderia deixar de ser, sobre política. Garante que o PT "é
um partido que o próprio povo dirige". Apesar disso, "a gente não
pode permitir que meia dúzia de pessoas deformem esse partido". E "o
povo"?
Agora,
admite Lula, o negócio é campanha eleitoral. Mas confessa: "No primeiro
turno todo mundo fala a mesma coisa, promete tudo para o povo".
O ESTADO DE S.PAULO - 09 Junho 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário