Depois dos
bons tempos do poder, ex-presidente José Sarney sai de cena politicamente
isolado.
Imperatriz,
sul do Maranhão, 6 de abril de 1989. Cabisbaixo, o presidente José Sarney pega
o microfone. No palanque improvisado no Clube Juçara ele inicia um discurso com
seu mais tradicional bordão: “Brasileiras e brasileiros...”. Acrescenta: “...
de Imperatriz e do Maranhão”. Diz que está emocionado e afirma que a Ferrovia
Norte-Sul – cujos primeiros cento e poucos quilômetros seriam inaugurados
naquele momento – não é de nenhum Estado. “É a ferrovia da integração
nacional.”
E
prossegue, desconfiado: “Nos 11 meses que ainda me restam nós vamos continuar.
Se de alguma coisa me arrependo durante o meu governo é de não ter tido a
audácia de resistir àqueles que resistiram à Norte-Sul. Mas, compensarei, sem
dúvida, esta omissão, depois de deixar a Presidência, pois no dia em que parar
a construção desta estrada, eu estarei ali presente, naquele lugar (aponta para
os trilhos), esperando até o dia em que ela recomece a ser feita.” Depois que
deixou a Presidência, em março de 1990, a obra foi interrompida várias vezes –
até hoje não foi concluída. Nem por isso Sarney se sentou nos trilhos. Esse tipo
de enfrentamento não faz parte de seu perfil.
No dia
seguinte, Sarney tomou o trem de volta a São Luís. À medida que a composição
avançava, ele ia se animando. Concedeu entrevistas em portunhol, disse que não
trocaria a dívida externa do País por compensações ambientais e fez mais
discursos em Açailândia e Santa Inês. Ali, diante do povo do Maranhão, ele
parecia ganhar coragem e valentia, mas isso era em 1989. Com o tempo, esse
mesmo Maranhão rejeitou Sarney.
Isolado no
PMDB – que havia apoiado até uma CPI da Corrupção contra o governo federal – e
pelo então governador maranhense Epitácio Cafeteira, e sabendo-se sem chances
de ser eleito senador – um passo atrás para quem havia sido presidente da
República e governador aos 35 anos –, só lhe restou mudar o domicílio eleitoral
para o Amapá. E, pelo novo Estado, criado pela Constituinte que convocou,
fez-se senador até hoje. Agora, 25 anos depois de ter deixado o Maranhão, e aos
84 de idade, com problemas de saúde, ele pressentiu de novo o risco de
enfrentar uma eleição sem a certeza de vitória. Decidiu se aposentar.
Paralisações.
Naqueles 11 meses que lhe restavam, em 1989, Sarney não tinha apoios no
Congresso e via à sua volta uma sequência de greves – 8.790, segundo ele mesmo
contou – que prejudicava tanto o setor privado quanto o estatal. A Assembleia
Constituinte que convocara, um feito político tido como de coragem, que o
levaria definitivamente para a democracia, tentara tirar dele dois anos de
mandato. Teve de negociar muito para perder só um. Adversários o acusaram de
distribuir concessões de emissoras de rádio e de TV em proveito próprio.
Tudo isso
acontecia sob as vistas grossas do então deputado Ulysses Guimarães, que se
empenhava em assegurar sua candidatura à Presidência pelo PMDB, justamente para
suceder ao presidente acuado. Sarney julgava-se vítima de ingratidão tanto da
parte de Ulysses – que mandara e desmandara no governo – quanto do PMDB. Três
anos antes, por causa do Plano Cruzado que o presidente lançara no início de
1986, o partido havia se consagrado nas urnas, elegendo 22 dos 23 governadores.
Ainda um fruto dos alegres dias dos “fiscais do Sarney”.
Faltando 11
meses para o fim do governo – e enquanto Sarney inaugurava os primeiros trechos
da ferrovia Norte-Sul –, o País presenciava a intensa movimentação para a
eleição do primeiro presidente depois do golpe militar. O grande vitorioso foi
Fernando Collor de Mello, com o discurso de “caçador de marajás”, e que na
campanha havia atacado Sarney de forma violenta.
Lula.
Negociador por natureza, assim que Sarney chegou ao Planalto o clima mudou –
ficava para trás o tempo dos generais e a liberdade de informação se espalhava
por toda parte. Conciliador, aproximou-se de Luiz Inácio Lula da Silva, que
tanto o atacara e fora um crítico ferrenho da Norte-Sul, e de Epitácio
Cafeteira (PTB), que lhe fechou as portas no Maranhão e o empurrou para o
distante Amapá.
Mas, como
afirmam assessores e políticos que lhe foram próximos, ele nunca foi santo.
Sarney
apoiou, por exemplo, a censura imposta ao Estado pela Justiça de Brasília, a
pedido de seu filho Fernando – caso que o Judiciário está por resolver há 1.734
dias. Também não perdoou o escritor Millôr Fernandes, que fez duras críticas ao
livro Brejal dos Guajas, lançado por Sarney quando era presidente. Para Millôr,
era “uma obra-prima sem similar na literatura”, pois “só um gênio poderia fazer
um livro errado da primeira à última frase”. Quando Millôr morreu, em 2012,
intelectuais do País inteiro lhe fizeram homenagens. Sarney não
apareceu.
JOÃO
DOMINGOS/BRASÍLIA - O ESTADO DE S. PAULO
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