Apesar de a
Copa do Mundo ter estimulado as vendas de produtos como televisores, tudo
indica que o varejo continua fraco, compondo com a indústria e os serviços um
quadro de desaceleração econômica.
Desde o fim
do primeiro trimestre, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
registra recuo no volume de vendas no varejo restrito, que exclui material de
construção e automóveis. Em março, a queda foi de 0,5%; em abril, novo baque
foi verificado, de 0,4%.
Levantamentos
do comércio mostram que a tendência se manteve nos meses seguintes, emitindo
sinais negativos para o desempenho da economia no segundo trimestre. Em um dos
principais mercados do país, a cidade de São Paulo, a intenção de consumo é a
menor desde 2009, de acordo com avaliação da Federação do Comércio.
Pesquisa da
Confederação Nacional do Comércio (CNC) indica queda na intenção de consumo das
famílias em junho, de 1,6% em comparação com maio, para o menor patamar da
série histórica, iniciada em 2010. Em comparação com junho de 2013, a queda é
de 7,4%.
Para a CNC,
a tendência de enfraquecimento das atividades do varejo pode se intensificar no
segundo semestre. Por isso, acaba de reduzir a estimativa de aumento do volume
de vendas neste ano, dos 4,9% acumulados em 12 meses até abril, para 4,7%. A
nova previsão frustra a expectativa de recuperação mais significativa do varejo
em comparação com 2013, quando o volume de vendas aumentou 4,3%, menos do que a
inflação e praticamente a metade dos 8,4% de 2012 - o pior resultado aferido
pelo IBGE desde 2003, quando houve queda de 3,7%.
Um mix de
inflação mais elevada, aumento dos juros, maior endividamento das famílias e
preocupação com o emprego desestimula as compras. A inflação e o crédito
apertam o orçamento familiar. Com os consumidores gastando mais com alimentos,
diminuiu o espaço para a compra de outros produtos, como bens duráveis de maior
valor.
No passado,
as famílias não hesitavam em se endividar para consumir mais, confiantes na
manutenção do emprego e em salários crescentes. A pesquisa da CNC apurou,
porém, queda de 6,2% na intenção de compras a prazo.
O nível de
confiança das famílias caiu em todas as faixas, mas foi mais acentuada no
segmento com renda abaixo de dez salários mínimos. Um dos principais motivos é
a preocupação com o mercado de trabalho. Dados do Cadastro Geral de Empregados
e Desempregados (Caged), divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho, mostram
queda de 18,3% na criação de vagas em maio, para o pior patamar para o mês
desde 1992.
O
percentual das famílias que se sentem seguras em relação ao emprego caiu de
45,5% para 44,2% em junho. Segundo a FecomércioSP, os paulistanos não estavam
tão preocupados com suas carreiras desde outubro de 2009, quando a crise
internacional atingiu em cheio o país.
Além do
receio de desemprego, o aumento dos juros inibe a tomada de crédito. O custo do
crédito ao consumidor sobe há 12 meses seguidos, constatou a Associação
Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Embora a inadimplência esteja
estável nos bancos pelo critério habitual de atrasos acima de 90 dias, o quadro
não é animador nos prazos mais curtos. Por isso, as instituições já apertam os
controles, exigindo mais documentos e comprovações de capacidade de pagamento
(Valor, 24/6). O varejo, porém, que costuma trabalhar com critérios mais
flexíveis, registra aumento da inadimplência desde o início do ano.
O
desempenho nada animador do varejo se soma ao da indústria, cuja produção e
faturamento vêm desacelerando neste ano. Nos 12 meses encerrados em abril, a
produção da indústria de transformação aumentou 1% e o faturamento, 1,9%.
Até o setor
de serviços dá sinais de arrefecimento desde fevereiro. Em abril, registrou
aumento de faturamento de 8,3% no acumulado em 12 meses, a menor taxa da série
histórica, iniciada em janeiro de 2013.
A situação
do varejo preocupa particularmente porque reflete o pulso do consumo das
famílias, que representa 65% do PIB e vinha sustentando o crescimento
econômico, mas já registrou queda de 0,1% no primeiro trimestre - o que só
ocorreu três vezes entre 2004 e 2013 e pode repetir-se agora.
Valor
Econômico - SP - Editorial
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