quinta-feira, 26 de junho de 2014

Insegurança trava consumo e desacelera o crescimento


Apesar de a Copa do Mundo ter estimulado as vendas de produtos como televisores, tudo indica que o varejo continua fraco, compondo com a indústria e os serviços um quadro de desaceleração econômica.

Desde o fim do primeiro trimestre, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registra recuo no volume de vendas no varejo restrito, que exclui material de construção e automóveis. Em março, a queda foi de 0,5%; em abril, novo baque foi verificado, de 0,4%.

Levantamentos do comércio mostram que a tendência se manteve nos meses seguintes, emitindo sinais negativos para o desempenho da economia no segundo trimestre. Em um dos principais mercados do país, a cidade de São Paulo, a intenção de consumo é a menor desde 2009, de acordo com avaliação da Federação do Comércio.

Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) indica queda na intenção de consumo das famílias em junho, de 1,6% em comparação com maio, para o menor patamar da série histórica, iniciada em 2010. Em comparação com junho de 2013, a queda é de 7,4%.

Para a CNC, a tendência de enfraquecimento das atividades do varejo pode se intensificar no segundo semestre. Por isso, acaba de reduzir a estimativa de aumento do volume de vendas neste ano, dos 4,9% acumulados em 12 meses até abril, para 4,7%. A nova previsão frustra a expectativa de recuperação mais significativa do varejo em comparação com 2013, quando o volume de vendas aumentou 4,3%, menos do que a inflação e praticamente a metade dos 8,4% de 2012 - o pior resultado aferido pelo IBGE desde 2003, quando houve queda de 3,7%.

Um mix de inflação mais elevada, aumento dos juros, maior endividamento das famílias e preocupação com o emprego desestimula as compras. A inflação e o crédito apertam o orçamento familiar. Com os consumidores gastando mais com alimentos, diminuiu o espaço para a compra de outros produtos, como bens duráveis de maior valor.

No passado, as famílias não hesitavam em se endividar para consumir mais, confiantes na manutenção do emprego e em salários crescentes. A pesquisa da CNC apurou, porém, queda de 6,2% na intenção de compras a prazo.

O nível de confiança das famílias caiu em todas as faixas, mas foi mais acentuada no segmento com renda abaixo de dez salários mínimos. Um dos principais motivos é a preocupação com o mercado de trabalho. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho, mostram queda de 18,3% na criação de vagas em maio, para o pior patamar para o mês desde 1992.

O percentual das famílias que se sentem seguras em relação ao emprego caiu de 45,5% para 44,2% em junho. Segundo a FecomércioSP, os paulistanos não estavam tão preocupados com suas carreiras desde outubro de 2009, quando a crise internacional atingiu em cheio o país.

Além do receio de desemprego, o aumento dos juros inibe a tomada de crédito. O custo do crédito ao consumidor sobe há 12 meses seguidos, constatou a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). Embora a inadimplência esteja estável nos bancos pelo critério habitual de atrasos acima de 90 dias, o quadro não é animador nos prazos mais curtos. Por isso, as instituições já apertam os controles, exigindo mais documentos e comprovações de capacidade de pagamento (Valor, 24/6). O varejo, porém, que costuma trabalhar com critérios mais flexíveis, registra aumento da inadimplência desde o início do ano.

O desempenho nada animador do varejo se soma ao da indústria, cuja produção e faturamento vêm desacelerando neste ano. Nos 12 meses encerrados em abril, a produção da indústria de transformação aumentou 1% e o faturamento, 1,9%.

Até o setor de serviços dá sinais de arrefecimento desde fevereiro. Em abril, registrou aumento de faturamento de 8,3% no acumulado em 12 meses, a menor taxa da série histórica, iniciada em janeiro de 2013.

A situação do varejo preocupa particularmente porque reflete o pulso do consumo das famílias, que representa 65% do PIB e vinha sustentando o crescimento econômico, mas já registrou queda de 0,1% no primeiro trimestre - o que só ocorreu três vezes entre 2004 e 2013 e pode repetir-se agora.


Valor Econômico - SP - Editorial

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