ELES É QUE
BEBEM E NÓS FICAMOS TONTOS
por Jose
Neumanne Pinto
Relator da
comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) aberta (pelo menos em teoria)
para investigar escândalos protagonizados pela maior empresa brasileira, a
Petrobrás, o deputado Marco Maia (PT-RS) fez questão de avisar que a convocação
do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa para nela depor
não tardará.
Como é
público e notório, Paulo Roberto Costa foi preso pela Polícia Federal quando
tentava destruir provas que o comprometiam – no âmbito das investigações da
Operação Lava Jato – na condição de parceiro do doleiro Alberto Youssef,
acusado de ter “lavado” R$ 10 bilhões. O doleiro continua preso, mas o
ex-diretor da Petrobrás foi solto por obra e graça de despacho do ministro do
Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki: este interrompeu sua depressão de 59
dias na cela, mas manteve presos os outros 11 que o juiz Sérgio Moro, do
Paraná, mandara prender.
Chegaram
até a definir como “troco de pinga” a eventual perda de US$ 1 bilhão (R$ 2,3
bilhões) na compra da refinaria da Astra Oil belga em Pasadena (Texas), pela
qual a presidente da estatal, Graça Foster, reconhece pelo menos um prejuízo de
US$ 530 milhões (R$ 1,2 bilhão). Mas a conta da refinaria de Abreu e Lima, em
Pernambuco, uma associação em que os brasileiros entraram com a grana e os
venezuelanos com saliva, é muito mais pesada. Há duas semanas, o jornal Valor
Econômico teve acesso a atas de reuniões do Conselho de Administração da
Petrobrás e de sua leitura concluiu que o plano básico de organização da
refinaria foi aprovado pelos conselheiros em 30 de outubro de 2008, mas só em
14 de janeiro de 2010 eles conheceram o estudo de viabilidade da refinaria,
cuja construção já tinha sido iniciada. E no ano anterior, lembrou o jornal, a
estatal havia captado R$ 10,5 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) para o projeto, que, por esta e outras, viria a se
tornar a obra mais onerosa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Pelos
cálculos do jornal, a aventura teria elevado o valor a ser gasto na
benemerência ao compadre Hugo Chávez à bagatela de R$ 40 bilhões, 10 vezes mais
do que se previa no início do projeto (R$ 4 bilhões). A algum crítico
renitente, como o autor destas linhas, ocorreria até concluir que a diferença
não poderia caracterizar sequer um troco de vinho do Porto Taylor’s de mais de
150 anos, vendido a 2.500 euros (R$ 8 mil) a garrafa. Nenhuma definição, porém,
será tão precisa quanto a dada pelo alto funcionário da Petrobrás encarregado
da obra, Paulo Roberto Costa, que chamou o embrulho de “conta de padeiro” em
entrevista à Folha de S.Paulo. Será a estatal gerida como se fosse uma padaria?
“Conta de
padeiro” é um jargão que ainda não consta de dicionários e que significa
cálculo feito às pressas, sem os devidos cuidados nem embasamento – neste caso
específico, sem projeto algum que justificasse despesas de tal monta. Mas é
provável que em próximas edições a expressão venha a ser incorporada ao “pai
dos burros”. Ildo Sauer, um dos principais colaboradores na área energética do
programa de governo de Lula e ex-diretor de Gás e Energia da Petrobrás, declarou-se
perplexo com o uso da expressão, embora concorde com a evidência de que jamais
o investimento na refinaria poderia ter passado de US$ 8 bilhões (R$ 19
bilhões), menos da metade do gasto ora previsto. A expressão, de acordo com
Sauer, ofende “a história da Petrobrás, que sempre teve uma gestão profissional
e técnica” e “é uma desculpa grosseira para justificar o injustificável”.
A oposição
decidiu centrar fogo na investigação sobre Abreu e Lima e reclamou da
comparação. “Padeiro não erra nem conta. Se errasse, as padarias quebravam”,
disse o líder do DEM na Câmara dos Deputados, Mendonça Filho (PE), que insiste
na abertura da “caixa de Pandora” da Petrobrás, mas não desiste do meio menos
adequado para fazê-lo.
Seria a
oposição deficiente em inteligência ou estaria interessada apenas nos holofotes
postos no debate nos plenários do Congresso, controlados pelo governo, para
compensar o triplo de tempo da aliança governista na propaganda eleitoral no
rádio e na TV, aparecendo no noticiário de todo dia da CPMI? Há, contudo,
coisas mais importantes a cuidar do que defender a sabedoria contábil dos donos
de padaria ou a honra ameaçada da equipe técnica da estatal. Mais grave do que
o tom zombeteiro da definição do suspeito-mor, preso para não destruir provas e
solto por magnificência do julgador supremo, ou do que a afronta aos
funcionários, que até agora não de nada reclamaram pela voz de seus líderes
corporativos, é a declaração de Graça Foster. Questionada pelos repórteres ao
sair da sede da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, a presidente da Petrobrás
parodiou o enigma da esfinge de Édipo Rei com uma sentença perturbadora e
comprometedora: “Não é que eu não queira, eu não posso falar”.
Quando o
Valor Econômico revelou que a empresa que ela preside autorizou despesas de
milhões de reais sem embasamento técnico, a estatal negou, em nota oficial, que
seu conselho tenha aprovado em apenas 14 dias contratos sem licitação com as
construtoras Galvão Engenharia e Queiroz Galvão. Sim, e daí? Agora a Sra.
Foster diz que não “pode” falar sobre graves acusações que pesam sobre suas
costas, feitas publicamente por seu ex-companheiro de diretoria, acusado de
corrupção. Em vez de participar da inútil sabatina do ex-diretor ex-preso na
CPMI, a oposição serviria melhor ao País se lembrasse à presidente da Petrobrás
que ela tem satisfações a dar ao contribuinte, que sustenta sua empresa e paga
seu salário, a respeito das estapafúrdias diferenças entre gastos previstos e
despesas feitas, que não podem ser tidas como meros erros contábeis. A
presidente da Petrobrás não deve agir como se estivesse servindo pinga no
balcão de um boteco cujos clientes cantam A Turma do Funil ao contrário.
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