No
desespero diante da sólida evidência de que a incompetência de Dilma Rousseff
está colocando seriamente em risco o projeto de poder do PT, Luiz Inácio Lula
da Silva apela para seu recurso retórico predileto: fazer-se de vítima, acusar
"eles" - seus adversários políticos - daquilo que o PT pratica,
transformando-os em inimigos do povo e sobre eles jogando a responsabilidade
por tudo de ruim e de errado que acontece no País. Lula decidiu de vez
"partir para cima" e deixou claro que até outubro estará se atolando
no ambiente em que se sente mais confortável: a baixaria.
Uma das
mais admiráveis figuras do século 20, Nelson Mandela, reconciliou a África do
Sul - que saía do abominável regime do apartheid - consigo mesma promovendo
pacificamente o entendimento entre a minoria branca opressora e a ampla maioria
negra oprimida. Lula continua fazendo exatamente o contrário: dividiu os
brasileiros entre "nós" e "eles", arrogando-se a tutela
sobre os desvalidos, que tem procurado seduzir, transformando-os não em
cidadãos, mas em consumidores. Um truque que, como se vê hoje nas ruas, está
saindo pela culatra.
Pois é
exatamente o homem que subiu na vida com um punhal entre os dentes,
disseminando a divisão em vez da consciência da cidadania como arma de luta
contra as injustiças sociais, que agora, acuado pelo desmascaramento da enorme
farsa que tem protagonizado, tem a desfaçatez de prognosticar que "a
esperança vai vencer o ódio".
Apesar de
alegadamente motivada pela declaração de Aécio Neves, na convenção do PSDB que
lançou oficialmente sua candidatura à Presidência da República, de que "um
tsunami" vai varrer o PT do poder, foram dois os sinais de alerta que
levaram Lula a abrir a caixa de ferramentas: nova queda de sua pupila Dilma nas
pesquisas e as vaias e agressões verbais em coro de que ela foi vítima na
quinta-feira durante o jogo de estreia do Brasil na Copa do Mundo.
Quanto às
pesquisas, não há muito mais a dizer do que aquilo que elas revelam: uma
tendência constante de queda do prestígio e das intenções de voto na candidata
do lulopetismo à reeleição. A debandada dos membros mais
"pragmáticos" da "base aliada" reforça essa evidência.
As vaias e
xingamentos no Itaquerão, por sua vez, refletem o que têm afirmado,
abertamente, muitos líderes oposicionistas e, intramuros, lideranças do próprio
PT: Dilma e, mais do que ela, o lulopetismo estão colhendo o que semearam. Nem
por isso manifestações como aquelas podem ser endossadas. A grosseria não é
coisa de gente civilizada. Um chefe de Estado merece respeito, no mínimo, pelo
que representa.
Mas não há
de ser quem sempre, deliberada e calculadamente, se esmerou em atacar e ofender
adversários que agora vai assumir posição de superioridade moral para condenar
quem manifesta, no calor da multidão, um sentimento espontaneamente
compartilhado.
E também
não vale o argumento com que Lula procurou desqualificar os manifestantes do
Itaquerão, a eles se referindo como "gente bonita", ou seja, a
famigerada elite. Afinal, a Copa do Mundo no Brasil, essa vitrine que está
expondo o País aos olhos do mundo com efeitos duvidosos, foi apresentada à
Nação sete anos atrás como uma fantástica conquista pessoal de Lula, uma dádiva
generosa ao povo brasileiro. Foi para a "gente bonita" que Lula
trouxe esse espetáculo - do qual agora mantém a boa distância e não porque não
possa pagar os caríssimos ingressos que, como ele sempre soube, são cobrados
pela Fifa.
A candidata
Dilma, por sua vez, recolheu-se. Alegou uma gripe para não comparecer, ao lado
do chefe, à convenção do PT que lançou, no domingo, a candidatura petista ao
governo de São Paulo. Mas o recato acabou aí. Gravou um vídeo em que se refere
indiretamente ao episódio do Itaquerão e dá uma magnífico exemplo do tom
mistificador que passará a imprimir à campanha eleitoral: "(O Brasil) é um
país em que mulheres, negros, jovens e crianças, a maioria mais pobre, passaram
a ter direitos que sempre foram negados. É isso que vaiam e xingam. É isso que
não suportam".
Os líderes
do lulopetismo só estarão a salvo de vaias e constrangimentos se escolherem as
multidões que estão sob seu próprio controle.
O ESTADO DE S.PAULO - 17 Junho 2014
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