Dora Kramer
A pesquisa
do instituto americano Pew Research Center traduz em números e ajuda a
organizar um pouco o raciocínio sobre os humores da sociedade brasileira que
passou da euforia algo míope - para não dizer abobalhada - para um estado de
mau humor à deriva.
É sempre
salutar o despertar de consciências, mas, como aponta a responsável pela
pesquisa, Juliana Horowitz, chama atenção a mudança tão radical. Segundo ela,
nos 82 países pesquisados desde 2010, oscilações semelhantes só foram
observadas naqueles abatidos por graves crises ou rupturas institucionais.
"Antes"
(dos protestos de junho de 2013 ou do quê?) não havia nada de errado, estava
tudo na mais santa paz; agora o clima é de véspera de fim do mundo.
Ainda que
pipocassem escândalos de corrupção por todos os lados e que a cúpula do partido
do governo estivesse denunciada e prestes a ser julgada por comprar maioria no
Congresso, este mesmo governo foi reeleito e ainda ganhou o direito a mais um
período dando ao então presidente o cheque em branco pedido por ele para a
eleição da sucessora.
Os números
sobre o desempenho do governo são de impressionar: 86% desaprovam o combate à
corrupção, 85% estão insatisfeitos com a situação de insegurança pública, 85%
repudiam o serviço de saúde, 76% desaprovam o sistema de transportes, 71% não
concordam com a política externa, 71% acham ruim a educação, 67% estão contra
as preparações para a Copa do Mundo, 65% revoltam-se com a pobreza e 63% estão
em desacordo com a situação da economia.
Justamente
a economia, o item apontado como o grande vilão da insatisfação, o fator ao
qual se atribuiu o agrado ou desagrado em relação a um governo, é o que tem o
índice menos alto. No entanto, é o setor que mais se deteriorou. Os outros já
vinham devidamente degradados. Mesmo no tempo da euforia com o consumo
desenfreado, do Brasil que dava lições aos Estados Unidos e à União Europeia,
do ilusionismo dos sucessivos PACs cujas obras atrasadas ou não iniciadas não
serviram de sinais de alerta para a incapacidade objetiva de fazer acontecer de
maneira decente uma Copa e uma Olimpíada.
Era
evidente que a farra não duraria para sempre. A situação externa não explica
tudo, porque países em desenvolvimento como o Brasil saíram-se muito melhor
nesse período porque fizeram outras escolhas. As ações aqui foram todas
referidas no imediatismo da conquista da unanimidade com fins da obtenção de
hegemonia política, social e cultural.
Para ganhar
eleições, vende-se otimismo. Mas, para que o poder perdure é preciso entregar o
prometido e, da maneira como as coisas foram conduzidas desde o início, era
evidente que a conta chegaria.
Não viu
quem não quis ou quem achou que a bonança é eterna e não tem preço. Um palpite
para o motivo da irritabilidade à deriva? A retirada do palco de Lula como
exímio animador de plateias. Levou a maioria na conversa até quando era
evidente o vazio, quando não a enganação, da conversa. Saiu de cena o
ilusionismo e o País se viu no convívio diário com a realidade.
E o
produtor daquela euforia extrema, o homem das metáforas futebolísticas, o líder
das massas, a alegria do povo, o presidente que trouxe a Copa para o Brasil
onde estará nos jogos do Mundial, inclusive na abertura no estádio de seu
Corinthians do coração? Segundo ele, em casa, vendo tudo pela televisão.
A fim de não
correr o risco de ser alvo do mau humor à deriva nos estádios aonde o
brasileiro "vai a pé, descalço e de jumento".
Emaranhado.
Gente do mercado financeiro tem ouvido nos escalões da administração federal
que se a oposição ganhar a eleição presidencial vai levar no mínimo seis meses
para começar a compreender os números do governo, tal a sorte de atalhos e a
exuberância da criatividade na condução da área econômica.
Publicado no Estadão - 4/6/2014.
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